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Defensoria Pública do Maranhão entra na Justiça para garantir direito de pessoas não-binárias a terem gênero reconhecido em documentos

A Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) ajuizou uma Ação Civil Pública (A) contra o Estado do Maranhão, buscando assegurar o direito de pessoas não-binárias terem seu gênero reconhecido em seus documentos civis, como certidões de nascimento e casamento, sem a necessidade de um processo judicial individual.

A iniciativa da Defensoria surgiu após que, ao contrário do que ocorre em alguns Estados, o Maranhão não possui uma norma que regulamente essa alteração de gênero diretamente nos cartórios. Essa falta de regulamentação obriga as pessoas não-binárias a buscarem a Justiça individualmente, o que gera demora e burocracia desnecessárias.

A DPE/MA tentou resolver a questão istrativamente, enviando ofícios à Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial do Maranhão. No entanto, o pedido foi negado. A Corregedoria alegou, entre outros pontos, a ausência de previsão legal federal para a adoção do marcador de gênero não-binário, a existência de uma normatização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que não abrange essa possibilidade, e a interpretação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) adotou um sistema binário de gênero em decisão anterior. A Corregedoria afirmou que o Judiciário não nega os pedidos, mas que, na ausência de norma específica, as solicitações devem ser a ele submetidas por meio de ações judiciais.

Para a Defensoria Pública, essa postura istrativa perpetua a invisibilidade jurídica de identidades não-binárias e impõe uma barreira injustificada ao reconhecimento pleno da personalidade dessas pessoas, violando direitos fundamentais. A Ação Civil Pública se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana, na igualdade, no direito à vida privada e ao livre desenvolvimento da personalidade.

A Defensoria argumenta que a autoidentidade de gênero é um elemento essencial da personalidade e que o direito à sua alteração é garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que possui status supralegal no Brasil.

A DPE/MA destaca a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Opinião Consultiva nº 24/2017), que afirma que a identidade de gênero é protegida pela Convenção Americana e que os Estados devem facilitar a mudança dos componentes da identidade (nome, sexo/gênero) nos registros, de acordo com a autoidentificação. A Corte também ressaltou que o sistema binário de gênero/sexo não corresponde à realidade de todas as pessoas e que a falta de reconhecimento legal de identidades não-binárias constitui uma forma de discriminação.

Diante disso, a Defensoria Pública pede à Justiça, em caráter de urgência, que determine ao Estado do Maranhão, por meio da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial, que edite imediatamente uma norma para que os cartórios de registro civil aceitem e processem os pedidos istrativos de alteração de gênero para “não-binário”, “neutro” ou “agênero”. Além disso, que oriente os cartórios a não exigirem documentos ou requisitos além dos já previstos para pessoas transgênero binárias.

A DPE solicita, ainda, que sejam realizadas as adaptações necessárias nos sistemas informatizados para permitir o registro desses marcadores de gênero. E caso a norma não seja editada em 10 dias, que a Justiça determine a aplicação provisória de uma regulamentação mínima, permitindo a averbação do gênero autodeclarado nos registros. Também foi solicitado que seja criado um Grupo de Trabalho Interinstitucional para elaborar uma proposta de provimento que regulamente de forma abrangente os procedimentos de alteração de gênero para marcadores não-binários.

Ao final do processo, a Defensoria pede a confirmação de todos esses pedidos, além da condenação do Estado a fiscalizar o cumprimento da norma e a promover capacitação específica para servidores e oficiais de registro civil sobre identidade de gênero e direitos da população não-binária. A expectativa da Defensoria é que a Justiça reconheça a urgência e a importância da causa, garantindo o direito à dignidade e à identidade de gênero plena para todas as pessoas no Maranhão.